Nazareth, saindo do baú
A pianista carioca Maria Teresa Madeira, 56 anos, é o que podemos chamar de uma verdadeira artista de atitude. Desde os estudos nas Universidades do Rio de Janeiro e Iowa (EUA), mostrou-se disposta a uma missão: desbravar o universo de Ernesto Nazareth (1863-1934). Está cumprindo o projeto. Assumo adjetivá-lo: é maravilhoso.
O ápice dessa maratona se concretiza agora no lançamento da obra integral de Nazareth para piano. São 12 CDs marcados pelo compromisso histórico de situá-lo definitivamente no contexto da identidade nacional. Atuando como musicóloga, a intérprete tem, inclusive, o cuidado de registrar peças inacabadas às quais adicionou finais alternativos.
Recheiam o precioso baú deliciosos tangos como “Brejeiro” (Nazareth é considerado o artífice do tango brasileiro), além de polcas, mazurcas e valsas. Em 1918, apresentando-se no Rio de Janeiro, o célebre pianista polonês Arthur Rubinstein (1887-1982) o conheceu e publicamente declarou-se fascinado pela melodia e pelo ritmo de suas composições.
Importante lembrar: Rubinstein ainda hoje é referência obrigatória como intérprete do compatriota Frédéric Chopin (1810-1849), que Nazareth admirava.
Prolífico, buliçoso, inquieto, crítico – sobram-lhe definições, Nazareth nasceu e morreu na amada e romântica Rio de Janeiro. Viveu para ela, revelando ao mesmo tempo profundo senso de brasilidade – assim como aconteceria com Pixinguinha, Villa-Lobos e Tom Jobim.
Malabarismos pincelados por toques cômicos pontuaram a batalha dele pela sobrevivência. Imagine: ser escriturário do Tesouro Nacional; trabalhar na Casa Carlos Gomes, executando ao piano partituras solicitadas pelos clientes interessados em comprá-las (se estes ousassem tocá-las, Nazareth advertia que as tocassem corretamente…); e atuar como pianista na sala de espera do Cine Odeon, para o qual compusera o famoso tango homônimo.
E a saúde? Trágica. Enlouquecido pela surdez, foi tratado no Instituto Neurosífilis da Praia Vermelha; transferido à Colônia de Psicopatas Juliano Moreira, em Jacarepaguá, dela fugiu para ser reencontrado em uma represa, afogado.
O repertório de Nazareth, porém, é só leveza e doçura. Quem não se diverte com a polca “Apanhei-te, Cavaquinho”? Sinal de que as fantasias da arte podem ironizar as dores da vida.
Veja, ouça, pense
*Clássicos – https://www.youtube.com/watch?v=FHGQ9GqNplo
*Documento – https://www.youtube.com/watch?v=git4Ua_QoTw
*Pesquisa – Entrevista de Maria Teresa Madeira ao Instituto Piano Brasileiro/Agosto de 2015 – www.institutopianobrasileiro.com.br
Integral por Maria Teresa Madeira – Piano
Lançamento
Laranjeiras Records Nacional
R$ 259,70